Em casa
- Lara Fagundes
- 20 de jun. de 2023
- 2 min de leitura
Uma amiga sugeriu que eu falasse sobre a terra desta vez, comentasse as suas disputas. E reunindo ideias sobre um tema tão amplo, eu cheguei em outro lugar - os ensinamentos silenciosos de meu pai. Lembro bem (e olha que a minha memória é um crime, só se agarra ao que não presta) e me orgulho quando conto da paciência para as orquídeas que o seu João cultiva há anos, contradizendo toda a personalidade fechada e imediata.
Lembro da recolha das chuvas, dos conhecimentos sobre as bacias da região e de uma manhã em que fui perguntar qualquer coisa só para termos assunto. Ele sugeriu que eu esfregasse os pés um pouco, no momento eu estava sobre a horta de casa. Para a minha surpresa, escondido ali entre o todo, gengibre! O meu pai, no detalhe das suas ações, é esse lembrete da boa relação com o meio. Uma relação que não é perfeita, claro, mas que alcança alguma amizade.
Como em Torto Arado, quando Belonísia diz que Zeca Chapéu Grande, “[...] quando encontrava um problema na roça, se deitava sobre a terra com o ouvido voltado para seu interior, para decidir o que usar, o que fazer, onde avançar, onde recuar. Como um médico à procura do coração”.

Eu cresci com os olhos bem abertos e atentos ao que o seu João ensinava sem dizer palavra. E não que eu seja um grande exemplo, ou ele, mas é gritante a negação coletiva em relação aos eventos climáticos e ecológicos que vem se alastrando. Como grandes centros tomados de fumaça devido a incêndios florestais, assim como outros incêndios que levaram porcentagens altíssimas de alguns biomas brasileiros, o rompimento de barragens e suas consequências incalculáveis, a extinção de espécies e as alterações nos padrões de temperatura do planeta. Infelizmente, a lista é imensa.
O pensamento moderno de que o ser humano ocupa algum topo na hierarquia dos seres, ou de que nem mesmo pertence integralmente à natureza, é o que nos permite e até nos deixa confortáveis em continuar completamente alheios. O muro construído entre nós e a floresta retira de elementos naturais qualquer aspecto vivo, permitindo que não haja nenhum cuidado e que esses lugares nos sirvam exclusivamente, extração seguida de extração.
Com o meu pai, por meio de cada pequeno serviço ou segredo compartilhado, o resultado é a aproximação. Enquanto família, nós retiramos pequenas lagartas da samambaia estrondosa que fica na varanda. Foi isso o que herdei. Enquanto indivíduo, eu aprendo, gradualmente, o respeito ao pisar o chão, o ritmo sensível da produção, o valor. E escolherei a sensibilidade quando for a minha vez de deixar herança.
Como INDICAÇÃO DA VEZ deixo o sucesso literário de Itamar Vieira Junior - Torto Arado diz muito. E confiram abaixo outro lado do Projeto Aroari, a educação ambiental é uma forma prática de vencer a indiferença.
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